terça-feira, 17 de agosto de 2010

FOLCLORE P/CRIANÇAS- RESGATE DE CANTIGAS DE RODA




CACHORRINHO ESTÁ LATINDO

Cachorrinho está latindo lá no fundo do quintal
Cala a boca cachorrinho, deixa o meu benzinho entrar
Creola-la, creola-la-la-la
Creola-la, não sou eu que caio lá

Meu potinho de melado, meu cestinho de cará
Quem quiser comer comigo, fecha a porta e venha cá
Creola-la, creola-la-la-la
Creola-la não sou eu que caio lá.

Atirei um cravo n’água, de pesado foi ao fundo
Os peixinhos responderam: ‘viva D. Pedro II’
Creola-la, creola-la-la-la
Não sou eu que caio lá


LOBO MAU

AH! AH! AH! AH!...
Quem tem medo do Lobo mau, lobo mau, lobo mau
Quem tem medo do Lobo mau, tra-la-la-la-la.

PIROLITO QUE BATE BATE

Pirolito que bate, bate
Pirolito que já bateu
Quem gosta de mim é ela
Quem gosta dela sou eu
Pirolito que bate, bate
Pirolito que já bateu
A menina que eu amava
Coitadinha já morreu

O CRAVO E A ROSA

O cravo brigou co’a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido, a rosa despedaçada
O cravo ficou doente
A rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio, a rosa pôs-se a chorar

FUI NO ITORORÓ

Eu fui no Itororó, beber água e não achei
Achei bela morena que no Itororó deixei
Aproveite minha gente, que uma noite não é nada
Se não dormir agora, dormirá de madrugada
Oh ! Mariazinha, Oh ! Mariazinha
Entrarás na roda, ficarás sozinha

Sozinha eu não fico, nem hei de ficar
Pois um de vocês há de ser meu par

(Final)
Tira, tira o seu pezinho
Põe aqui ao pé do meu
E depois não vá dizer
Que você se arrependeu, deu, deu.

ATIREI O PAU NO GATO

Atirei o pau no gato-to
Mas o gato-to, não morreu-reu-reu
Dona chica-ca ‘dmirou-se-se
Do berro, do berro que o gato deu, deu, deu (Miau)

NESTA RUA TEM UM BOSQUE

Nesta rua , nesta rua, tem um bosque
Que se chama, que se chama solidão
Dentro dele, dentro dele, mora um anjo
Que roubou, que roubou meu coração

Se eu roubei, se eu roubei seu coração
Tu roubaste, tu roubaste o meu também
Se eu roubei, se eu roubei teu coração
É porque, é porque te quero bem

Se esta rua, se esta rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes
Para o meu, para o meu amor passar.

CARNEIRINHO, CARNEIRÃO

Carneirinho, carneirão, neirão, neirão
Olhai pro céu, olhai pro chão, pro chão, pro chão
Diga à Deus, nosso Senhor, Senhor, Senhor
Para todos, se levantarem

Carneirinho, carneirão, neirão, neirão
Olhai pro céu, olhai pro chão, pro chão, pro chão
Diga à Deus, Nosso Senhor, Senhor, Senhor
Para todos, se ajoelharem


Carneirinho, carneirão, neirão, neirão
Olhai pro céu, olhai pro chão, pro chão, pro chão
Diga à Deus, Nosso Senhor, Senhor, Senhor
Para todos se sentarem.

(Final)
Carneirinho, carneirão mééééé......

CAI CAI BALÃO

Cai cai balão, cai cai balão
Na rua do sabão
Não cai não, não cai não, não cai não
Cai aqui na minha mão.


CHAPEUZINHO VERMELHO

Chapeuzinho:
Pela estrada afora eu vou bem sozinha
Levar esses doces para a vovozinha
A estrada é longa, o caminho é deserto
E o lobo mau está aqui por perto

Lobo:
Hoje estou contente, vai haver festança
Quero um bom petisco, para encher a minha pança.


PEIXE VIVO

Como pode um peixe, viver fora d’água fria
Como poderei viver, como poderei viver
Sem a tua, sem a tua companhia
Os pastores desta aldeia, já me fazem zombaria
Por me ver assim chorando, por me ver assim chorando
Sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia


DORME NENÊ

Dorme nenê, que um anjo em sonho vem
Papai foi a roça, mamãe logo vem.

MARCHA SOLDADO

Um, dois, um, dois
Marcha soldado, cabeça de papel
Se não marchar direito, vai preso pro quartel
Quartel pegou fogo, bombeiro deu sinal
Acode, acode, acode a Bandeira Nacional
Marcha soldado, cabeça de papel
Se não marchar direito, vai preso pro quartel

Um, dois - Feijão com arroz
Três, quatro – Feijão no prato
Cinco, seis – Feijão inglês
Sete, oito – comer biscoito
Nove, dez – comer pastéis
Um, dois, um, dois...

CIRANDA, CIRANDINHA

Ciranda, cirandinha vamos todos cirandar
Vamos dar a meia-volta, volta e meia vamos dar
O anel que tu me destes, era vidro e se quebrou
O amor que tu me tinhas, era pouco e se acabou
Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar
Vamos ver D. Maria, que já está pra se casar
Por isso D. Maria, entre dentro desta roda
Diga um verso bem bonito, diga adeus e vá se embora
Ciranda, cirandinha vamos todos cirandar
Vamos dar a meia-volta, volta e meia vamos dar

(Final)
Por isso D. Maria, entre dentro desta roda
Diga um verso bem bonito, diga adeus e vá se embora.

quarta-feira, 21 de julho de 2010


Renato Phaelante e Antonio Nobrega em momento de pesquisa musical.

sexta-feira, 23 de abril de 2010


Pernambuco tem uma dança
Que nenhuma terra tem
Quando a gente entra na dança
Não se lembra de ninguém

É maracatu, não!
Mas podia ser.
É bumba-meu-boi, não!
Mas podia ser.

Mas será o baião, não!
Mas podia ser.
É dança de roda, não!
Quero ver dizer...

É uma dança
Que vai e que vem
Que mexe com a gente
É frevo, meu bem!

(Capiba, compositor pernambucano 1904-1997)

Em nenhum outro lugar do Brasil existe um ritmo tão típico e regionalizado, quanto o frevo pernambucano. “Mais do que isso, ele é uma marca do Carnaval de Recife e recebeu muita influência dos escravos libertos a partir de 1888. O negro, que sempre foi muito festivo e alegre, fez com que a sociedade percebesse seu direito de liberdade, demonstrando seu contentamento dançando nas ruas. O frevo é vibrante, emocional e participativo, características muito típicas do povo pernambucano.

Mistura de polca com dobrado, maxixe, marcha, quadrilha, o frevo é tão contagiante que faz o sangue ferver. Seu nome, aliás, vem do verbo ferver, que no linguajar do povo virou frever e passou a designar efervescência, agitação, confusão, rebuliço. Frevança é sinônimo de farra, de folia, de movimento de muita gente brincando. Quando um bloco passava com seu ritmo alucinante, as pessoas na rua diziam: “O caldeirão está frevendo”.

sábado, 10 de abril de 2010

JACKSON DO PANDEIRO - UM TEMPERO QUE FAZ FALTA NO GOSTO DA MPB



Uma das figuras de maior expressão na história da música nordestina, é Jackson do Pandeiro, com muita justiça chamado de “Rei do Rojão”, “Rei do Ritmo”, “Rei da Divisão”, este último, por haver sido considerado um mestre em dividir os versos, com uma ritmica, um molejo, uma bossa curiosa, diferente, no domínio de sua interpretação.
Conhecedor profundo de suas raízes folclóricas e tradições musicais, utilizava a voz como um verdadeiro instrumento musical. Tanto que, quando surgiu para o Brasil na década de 50, logo ganhou o respeito e a admiração de nomes já consagrados tais como Luiz Gonzaga, Manezinho Araújo, Luiz Vieira, mais um outro Luiz, o Bandeira, Fernando Lobo, Ari Barroso, só para citar alguns.
Nascido José Gomes Filho, paraibano de Alagoa Grande, veio ao mundo no dia 31 de agosto de 1919 e foi criado num ambiente completamente musical já que em sua casa todos tocavam algum instrumento. Ele próprio, já aos sete anos, acompanhava a mãe, Dona Flora, tocando zabumba nas tiradas de cocos e nos improvisos que ela, folclorista, criava em suas andanças em feiras e festas populares.
Após o falecimento do pai em 1932, mudaram-se para Campina Grande, cidade próspera da Paraíba e lá, o menino José, para ajudar em casa, arrumou emprego como “cassaco de padaria”. Emprego que só largou em 1936, já então contando 17 anos, para substituir o baterista de um conjunto dançante que animava festas no Clube Ipiranga daquela cidade.
Por essa época, devido à magreza que o assemelhava ao ator de cinema Jack Perry, adotou o nome artístico de Zé Jack. Era, então, um ritmista de destaque na região, sendo logo contratado para compor o regional da Rádio Tabajara de João Pessoa, a capital do Estado.
Em 1948, com a inauguração, no Recife, da Rádio Jornal do Commercio, tranferiu-se para lá, contratado que foi como ritmista e fazendo parte de vários conjuntos musicais da emissora. Foi aí que resolveu trocar seu nome artístico para Jackson do Pandeiro, com o qual tornou-se conhecido em todo o país.
Enquanto integrante da Rádio Jornal do Commercio, fez dupla com o compositor Rosil Cavalcanti, um pernambucano de Macaparana, nascido a 20 de dezembro de 1915 e falecido misteriosamente, em Campina Grande, Paraíba, a 10 de julho de 1968. Foi Rosil, o criador de sucessos marcantes de Jackson, como é o caso de “Sebastiana”, cuja letra diz:
“Convidei a comadre Sebastiana
Pra cantar e xaxar na Paraíba.
Ela veio com uma dança diferente
E gritava que só uma guariba...”
Um outro sucesso foi “Cabo Tenório”:
“Cabo Tenório
É o maior inspetor de quarteirão
Na casa de Tota
Fizeram um forró
Tenório foi só
Dançar e beber.
Os cabras de lá
Quiseram lhe bater
Tenório gritou, Virge!
Vai ter confusão.
Balançou a mão
Deu murro e bofete
Tomou canivete
Peixeira e facão.
Os brabos correram
Quem ficou presente
Gritava contente
No meio do salão e dizia:
Cabo Tenório
É o maior inspetor de quarteirão...”

Ainda outro sucesso foi “Na Base da Chinela”, cujos versos dizem:
“Eu fui dançar um baile
Na casa de Gabriela
Nunca vi coisa tão boa
Foi na base da chinela...”
O mesmo caminho de sucesso percorre “Forró do Zé Lagoa” e muitos outros que firmaram definitivamente o nome de Jackson do Pandeiro no panorama artístico nacional.
Um outro pernambucano teve influência marcante no início da carreira de Jackson, o recifense, nascido a 7 de abril de 1922 e falecido em dezembro de 1995 na Cidade Maravilhosa, Edgar Ferreira, autor de sucessos tais como “Forró em Limoeiro”, cuja letra começa assim:
“Eu fui pra Limoeiro
E gostei do forró de lá
Eu vi um caboclo brejeiro
Tocando a sanfona e entrei no fuá...”
Também a música intitulada “Um a Um”, cujo refrão ecoou na voz do povo e que fala de uma paixão nacional, o futebol:
“Esse jogo não é um a um
Se meu clube perder há zum, zum, zum...”
E ainda “Eu vou Gargalhar”:
“Quem disse que a escola não sai
Não tem cabeça pra pensar.
A escola vai sair
O povo daqui lá vai sambar
Vou gargalhar quá, quá, quá, quá...”
Gravando pela etiqueta Copacabana, Jackson foi levado pela direção da gravadora, ao Rio de Janeiro onde, após diversas apresentações na então Capital Federal, foi contratado pela Rádio Tupy, passando, em seguida, a compor o elenco de estrelas, o maior à época, da Rádio Nacional.
Enquanto ainda no Recife, fizera dupla com Almira Castilho, cantora de mambo e dançarina de rumba, com quem veio a se casar depois, passando a cantar e dançar juntos, côcos, rojões, xaxados, baiões.
Já no sul do país, ao lado da companheira, popularizou o forró, coreografando-o, colocando-lhe uma pimenta própria, um sabor bem mais legítimo e característico, até então pouco explorado por nordestinos envolvidos com o campo musical.
Seu talento passou, daí por diante, a ser reconhecido em todo o país e um grande número de compositores de sucesso dispôs-se a compor para ele. Entre esses nomes, e só para citar alguns, encontram-se os de João do Valle, Gordurinha, Genival Macedo, Onildo Almeida, Rui de Morais e Silva, Manezinho Araújo, Venâncio e Corumba, Zé do Norte, Paulo Gracindo.
Ao final da década de 50 e início da de 60, Jackson excursionou por todo o Brasil, apresentando-se também em São Paulo, onde o número de Nordestinos ali residentes, já era então, bastante expressivo, nas maiores emissoras: Rádios Record, Bandeirantes, Tupy e Nacional.
Sua popularidade foi mais uma vez confirmada e a música nordestina, sempre mais aceita, era também solicitada, tanto pelo seu humor quanto pela criatividade e conteúdo social e folclórico. Tanto que, ainda na década de 60, Gilberto Gil, um dos líderes da nova geração, à época, regravou “Chiclete com Banana”, de Gordurinha e “O Canto da Ema”, de João do Valle. Da mesma forma, Gal Costa regravou “Sebastiana”, de Rosil Cavalcanti e do próprio Jackson. Era a geração dos festivais prestigiando o paraibano que colocara tempero na estrutura melódica e concedera um novo balanço à música nordestina.
Luiz Bandeira, famoso compositor brasileiro, afirmou, certa vez, que “Jackson parece que tem um pandeiro na garganta”, exaltando assim a sua intimidade com o ritmo e com o instrumento que lhe originou o cognome.
Em 1967, Jackson separou-se, definitivamente, da parceira e esposa Almira Castilho, desfazendo-se a dupla. Passou, então, a atuar na Rádio Globo, de grande audiência, ao lado do animador Adelson Alves; continuou gravando músicas juninas e carnavalescas, animando bailes e forrós, apresentando-se em emissoras de rádio e TV pelo Brasil a fora.
Em 1982, cansado e doente, foi internado às pressas, em coma diabético, no Hospital Santa Lúcia, em Brasília, onde fizera uma apresentação na noite anterior. Resistiu ainda alguns dias, a doença foi mais forte. Veio a falecer de embolia cerebral no dia 10 de julho daquele ano.
Três dias após a sua morte, escreveu o jornalista José Neumanne Pinto no Jornal do Brasil, lembrando a sua figura de “grande” esquecido da M. P. B: “(...) Reduzido ao mercado de músicas juninas, Jackson vivia momentos de glória apenas, quando chamado por seus amigos artistas (como Alceu Valença e Geraldo Azevedo, seus fãs), para shows e participações em discos. Chegou até a funcionar como ritmista de um artista menor num festival da Globo, tamanha era a distância entre seu talento e o reconhecimento que dele tinham as gravadoras e as emissoras de rádio e televisão. (...)”
Tal qual ocorreu com outro rei, o do baião, o trabalho de Jackson serviu e serve ainda, de escola, de fonte de inspiração e de estilo aos novos talentos. Espelho dos que se dedicam a um campo musical tão rico e criativo quanto o da música nordestina, na qual, Jackson do Pandeiro, historicamente, preencheu algumas das páginas mais importantes. Renato Phaelante
Pesquisador Fonográfico da Fundaj

NELSON FERREIRA - O RÁDIO E SUA MÚSICA



É importante lembrar que a verdadeira música popular é feita para o povo oriunda sempre do próprio povo, como a democracia.
Através da musica popular, talentosos interpretes e criadores musicais conseguem se evidenciar dos demais, o maestro Nelson Ferreira é um deles, embora essa afirmação mereça um estudo mais aprofundado e detalhado para um bom entendimento de sua obra musical.
Vamos, pois tentar fazer uma pequena análise sobre dois aspectos pouco conhecidos dos que fazem parte da nova geração. E, esses dois aspectos, dizem respeito, justamente, à passagem de Nelson como homem de rádio em Pernambuco e, também, como músico e compositor, comprometido com sua gente do Nordeste, com seus hábitos, tradições, costumes, folclore; o seu cotidiano social, cultural e político. Antes, porém, faremos, um ligeiro passeio sobre sua biografia.
O primeiro contato de Nelson Ferreira com a produção musical se deu aos 14 anos, quando compôs, a pedido da Companhia de Seguros Vitalícia Pernambucana, a valsa “Victoria”. Daí em diante, ele só parou quando lhe pararam o coração e o pensamento. Fez valsas, foxes, tangos, as mais diversas canções, especializando-se no gênero frevo, o ritmo brasileiro mais contagiante e popular.
Nelson Ferreira teve uma passagem tão atuante quanto brilhante, no panorama musical de Pernambuco. Ainda jovem, tocou em pensões alegres, cafés, saraus e nos famosos cinemas Royal e Moderno do Recife. Foi, portanto, o pianista mais ouvido na época do cinema mudo.
Nos primeiros anos do rádio, foi diretor artístico do Rádio Clube de Pernambuco onde, além de continuar compondo, foi também responsável pela criação de vários grupos e orquestras e, com tudo isso, ainda apresentava os mais variados programas. Assim, Nelson atingia com o seu talento e sua versatilidade, a todas as camadas sociais, divertindo, educando, provocando nas pessoas, o gosto pelo que havia de melhor em nossa cultura musical.
Foi um homem do disco, na década de 50, diretor artístico da Fábrica Rozenblit, instalada em Pernambuco. E essa fábrica ofereceu uma contribuição marcante na área discográfica. Nos anos 40, Nelson criou uma orquestra de frevo que fez extraordinário sucesso. Não, apenas um sucesso local, mas também nacional.
Nelson Ferreira compôs sete evocações que se tornaram famosas em todo o Brasil, sempre homenageando carnavalescos, jornalistas, velhos companheiros e outros verdadeiros imortais da poesia, da música popular brasileira e do nosso folclore.
Várias gerações, ao som da Orquestra de Nelson Ferreira e sob a sua batuta, brincaram carnavais inesquecíveis. Seu frevo fez-se eterno pela força criativa e pelo conteúdo popular. Ele foi um dos nordestinos que deixou o maior número de músicas gravadas na história da discografia brasileira.
Iniciou-se, na discografia da música popular brasileira, a partir de 1923, com a música “Borboleta não é ave”, de Nelson Ferreira, em ritmo de samba, gravada por Bahiano e o Grupo do Pimentel, em disco Odeon de nº 12.2384, lançada no carnaval brasileiro daquele ano. Entre seus intérpretes, além de nomes famosos da MPB, estão, também, uma infinidade de orquestras e os intérpretes pernambucanos Claudionor Germano e Expedito Baracho.
A importância de Nelson como compositor popular, vai além de sua produção de frevos. Nas primeiras décadas do século, por exemplo, suas valsas marcaram época nos cinemas, nos bailes dos clubes sociais de todo o Nordeste, nas reuniões familiares. De tão marcantes, essas valsas receberam do escritor Nilo Pereira, o comentário: “Nelson Ferreira, feiticeiro do piano, fixador dum tempo que as suas valsas revivem como se estivessem falando. Se meia hora antes de sair o meu enterro, tocarem as valsas de Nelson, velhas valsas tão íntimas do meu mundo, irei em paz, sonhando”.
Bem, vamos conversar agora, um pouco, sobre a importância de Nelson Ferreira na história do rádio pernambucano. É que até hoje, talvez, pouco se tenha dito sobre esse homem múltiplo, sensível, carismático. Particularmente, muito pouco mesmo se disse sobre sua vinculação ao Rádio Clube de Pernambuco, onde começou em 1931, atuando até 1971. Justamente então, a emissora já não satisfazia aos anseios de Nelson Ferreira, desejoso por um rádio que, mesmo não sendo tão eclético, não se tornasse popularesco.
A pesquisa que nós fizemos e publicamos como um capítulo à parte no livro “Fragmentos da História do Radio Clube de Pernambuco”, foi um trabalho de levantar dados, colhendo e fiando através de depoimentos. E, entre esses depoimentos, além de encontrarmos o do próprio Nelson Ferreira, estão também o de nomes importantes na radiofonia pernambucana. E todos, unanimemente, têm sempre algo de verdadeiro e elogioso a dizer sobre o eminente maestro.
O compositor Luiz Bandeira, por exemplo, afirmou:
“Quando ingressei no Rádio Clube de Pernambuco tive a sorte de ter Nelson Ferreira como mestre. Ele tinha qualidades maravilhosas de produtor, radioator, redator, jornalista, compositor, letrista. Era também um grande instrumentista. Uma coisa fora do comum! Excelente maestro e arranjador! Tive a sorte de ter grandes mestres no início de minha carreira. Nelson Ferreira era um deles. Era o homem do carnaval do meio do ano, do São João. Fazia música como “A Canção do Nordeste”, durante a guerra que era uma marcha marcial exaltando o nosso soldado na participação da guerra. A versatilidade e a capacidade em si do Diretor Artístico da PRA-8, era evidente”.
Um outro depoimento sobre o maestro Nelson Ferreira e sua participação no Rádio Clube, vem de Ziul Matos, um dos mais famosos galãs de novelas, narrador e locutor da época:
“Eu entrei no rádio graças a Nelson Ferreira. Minha vida no rádio foi toda ao lado de Nelson Ferreira. Eu devo a minha projeção a ele. Fui seu parceiro em várias músicas”.
Quando foi contratado pela PRA-8, Nelson tornou-se o pianista constante dos programas ”Quarto de Hora”, onde eram focalizados os astros de primeira grandeza, como Eribaldo Alcoforado, Aline Branco, sempre por ele acompanhados.
Por muito tempo, Nelson encantou seus admiradores, ora acompanhando artistas famosos, ora executando, ele mesmo, belíssimas páginas da boa música brasileira.
Até que um dia, os ouvintes do Rádio Clube, foram agradavelmente surpreendidos com o surgimento de mais dois pianistas cobrindo os programas de “Quarto de Hora”. Um, apresentava-se como Heráclito Alves e o outro, Da Costa e Silva.
Completamente perplexo, o público observava que os dois novos pianistas eram tão talentosos e sensíveis quanto o Maestro Nelson Ferreira, embora, vez ou outra alguém desejasse apostar que Nelson ainda era o melhor. E, a maioria dos ouvintes tinha razão. Era difícil ou quase impossível definir quem era o melhor. Os dois, era o próprio maestro, utilizando cognomes diferentes, com o intuito de criar um clima competitivo. E o maestro atingiu o seu objetivo. Com o passar do tempo o público ouvinte passou a dividir sua preferência entre os três pianistas, sem nem de longe desconfiar que todos eles eram, simplesmente, Nelson Ferreira.
O que foi de fundamental importância na vida do maestro, que realmente lhe permitiu projetar com mais vigor a sua criação musical de 1931 a 1947, foi, além do seu grande e indiscutível talento, o intercâmbio feito pelo Rádio Clube, abastecendo os seus microfones com os maiores astros da canção no Brasil. Nelson Ferreira, que os acompanhava ao piano, conseguiu que nomes como Francisco Alves, Carlos Galhardo, Aracy de Almeida, Almirante, Dircinha Batista, Minona Carneiro, Augusto Calheiros, Joel e Gaúcho, Gilberto Alves e algumas das maiores orquestras brasileiras, gravassem suas músicas, divulgando assim, por todo o país a produção musical do ilustre maestro da PRA-8.
Nelson Ferreira demonstrou sempre um profundo conhecimento das coisas que faziam o povo vibrar, sair às ruas e se pronunciar. Tanto assim é que, certa vez, solicitado por Mário Libânio para musicar uma letra de caráter político, cujo objetivo seria o de tentar popularizar a campanha do então candidato ao Governo de Pernambuco, o ex-ministro Agamenon Magalhães, o maestro não se fez de rogado e compôs a música “Na Hora H-Agamenon”, uma música fácil, de enorme aceitação popular, que ganhou as ruas, os morros, os bairros mais aristocráticos, e não deu outra: Agamenon foi eleito pelo voto do povo.
Nelson Ferreira foi, sem dúvida, uma fonte inesgotável de inspiração, possuidor de uma energia que se despejava em forma de canção. Além de compositor de sucesso no carnaval de Pernambuco, Nelson Ferreira enveredou pelo mundo dos anúncios, emprestando-lhe a sua arte, tornando-se o pioneiro dos “Jingles” e dos anúncios musicados para o rádio pernambucano. E, muitas vezes, os temas de suas composições carnavalescas foram inspirados nas propagandas por ele criadas.
Depois dessas colocações sobre o Nelson Ferreira, músico e radialista, vamos nos ater um pouco mais no Nelson compositor e letrista, historiador musical do seu tempo, fotógrafo do cotidiano e profundo conhecedor das coisas do seu povo, fazendo de suas composições veículo e voz de sua gente.
Com o humor que lhe era característico, ele lançou , em disco, exatamente em janeiro de 1931, após a deposição de Washington Luiz por Getúlio Vargas, a marcha canção satírica “A Canoa Virou”, fazendo gozação sobre a fuga do então Governador de Pernambuco, Estácio Coimbra e de seu chefe de polícia Ramos de Freitas, conhecido por “Beiçola”.
Para o carnaval de 1932, Nelson Ferreira continuou a abordar o tema político. Quando se deu a queda da República Velha com a Revolução de 30, lançando a marcha “A Canoa Afundou”. Nesta composição, ele pede que Carlos de Lima Cavalcanti, então Governador, afunde a canoa, e recorda ainda, o fracasso da tentativa de implantação da moeda “cruzeiro”, pelo governo de Washington Luiz.
Durante a Segunda Guerra Mundial, duas produções de Nelson Ferreira, dois frevos-canção, destacaram-se: um, satirizando a figura do ditador alemão Adolf Hitler sob o titulo; Quer matar papai oião e o outro, resgatando a forte presença militar americana no Recife, influenciando o comportamento dos jovens na época, o que se traduziu pelo aprendizado do idioma, pelo uso de gírias do dicionário do Tio Sam, com a música “Bye,bye my baby”.
Ainda durante a Guerra, em parceria com o compositor Sebastião Lopes, para os carnavais de 1941 e 1943, respectivamente, Nelson compôs os frevos canções “Dança do Carrapicho”, propaganda de um brim forte e grosseiro e, “Lá no Derby”, que se propõe a vender um tecido em algodão estampado, cujo nome Derby, é uma alusão à nossa famosa praça do Derby, cujos gramados eram o point da época, para passeios e encontros de namorados.
Foram tantas as incursões musicais do maestro Nelson Ferreira, também em temas do cotidiano, que se levaria horas para rememorar todas elas. Mas, vamos, ao menos, lembrar alguns dos seus trabalhos, como foi o caso de sua marcante contribuição para a vitória do político Cid Sampaio, em 1958, durante sua campanha para Governador do Estado, com o frevo canção “O Grande Cidadão” e o frevo de bloco “Bloco da Vitória”, que mereceu do próprio Cid Sampaio um agradecimento e o reconhecimento de sua força como compositor de méritos e talentos inegáveis.

Até quando morreu em 1976, Nelson continuou produzindo memoráveis composições que hoje, fazem parte da maior produção de música popular de que se tem notícia no Nordeste.
Nelson Ferreira homenageou clubes de futebol de sua terra, como é o caso do Náutico e do Sport, lamentando somente não haver feito o mesmo pelo seu clube do coração o Santa Cruz. Segundo ele, só valeria a pena compor um hino para o Santa se o hino fosse melhor que os outros dois já compostos, missão quase impossível.
Para a inauguração de Brasília, ele compôs, “Frevo na Belacap”. Da mesma forma, um frevo foi composto para a chegada do homem à Lua, intitulado “Armstrong na Apolo Frevo”. Quando, em 1940 o Náutico apanhou do Flamengo do Recife por 21 x 2, com 11 gols de Tará, ele, como bom tricolor, não deixou passar em branco a oportunidade de fazer uma boa gozação e, em parceria com Ziul Matos, compôs o frevo canção “Qual será o score, meu bem?”
Ainda em parceria com Ziul Matos, ele cantou as belezas da capital que tão bem o acolheu, quando veio do interior, na “Veneza Americana”. Ajudou na eleição de Miguel Arrais a Prefeito do Recife, em 1959, na famosa união das esquerdas, com o frevo canção, gravado por Claudionor Germano, intitulado “Miguel Arrais... Tá”, cuja letra dizia: “Êta, minha gente, vai ser uma gostosura, com Cid no Governo e Arrais na Prefeitura”. E, ainda fez o povo comemorar cantando o frevo canção “Caiu a Sopa no Mel”, em parceria com Aldemar Paiva e Sebastião Lopes.
Nelson Ferreira cantou como ninguém as coisas do seu Estado natal, quando produziu com Aldemar Paiva, o frevo canção, gravado na voz de Raimundo Santos, “Pernambuco você é meu”. E Nelson falou ainda dos mais populares programas do rádio e da TV, através de frevos como “Um Instante, Maestro”; “Não, Pedro Bó”; “O Homem da Bengala”, “Gato do Bombinha”, “A Palavra é...” , isto só para citar alguns.
Nenhum compositor nesta terra, disse tanto de sua gente, com tanta alegria e carinho, até hoje tão presente. E, em termos de Brasil, sua projeção musical evidenciou-se de forma efetiva em 1957, quando tornou, definitivamente popular, o frevo de bloco, através de sua “Evocação nº 1”, sucesso do carnaval de todo o país, onde Nelson resgata, com saudade, figuras e momentos inesquecíveis do carnaval do Recife.
A produção musical de Nelson Ferreira é um retrato de nossa própria história sócio-cultural, durante as décadas em que compôs.. O maestro Vicente Fittipaldi afirmou certa vez: “Ele era como Mário Melo, Ascenso Ferreira, Valdemar de Oliveira, uma das instituições da cidade. Ele era com sua música, aquilo que Garrincha foi com o seu futebol, a alegria do povo”.
Nelson Ferreira veio a falecer no dia 21 de dezembro de 1976, no Hospital Português do Recife e seu corpo foi transportado para o hall da Câmara Municipal, onde foi velado. O itinerário em direção à sua última morada, ele o fez nos braços do povo, ao som dos seus frevos e evocações.
Quando seus olhos se cerraram pela derradeira vez, o sociólogo Gilberto Freyre escreveu para o Diário de Pernambuco: “O vazio que deixa é o que nos faz ver como era grande pela sua música, pelo seu sorriso, pela sua fidalguia de pernambucano”.

Renato Phaelante
Pesquisador Fonográfico da FUNDAJ